Se os ministros do Supremo Tribunal Federal querem adiar o julgamento dos processos que tratam dos planos econômicos para fevereiro de 2014, os bancos querem jogar a questão ainda mais para frente. É que prescreve no primeiro trimestre do ano que vem o prazo para que particulares se habilitem para receber os expurgos inflacionários em cadernetas de poupança reconhecidos em ações coletivas.
De acordo com o advogado dos poupadores, Luiz Fernando Pereira, os bancos estão diante de uma incerteza sobre como o STF vai se posicionar nesse caso. Por conta disso, avaliam que, no caso de derrota, é melhor que ela venha já depois de o prazo para os individuais se habilitarem na execução de uma ação coletiva tenha passado. Assim, evitam um surto de procura de antigos poupadores que não haviam buscado garantir seus direitos de receber os expurgos inflacionários decorrentes dos planos econômicos dos anos 80 e 90.
Hoje, na avaliação do advogado, a situação dos bancos é "confortável", porque os recursos extraordinários que tratam dos expurgos sobrestaram todos os julgamentos de mérito sobre o caso. E de acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), isso serviu como desestímulo para os particulares irem a juízo se habilitar nas ações coletivas.
A conta dos bancos é que se STF mexer nisso agora, haverá um novo surto, desequilibrando a economia. O melhor seria esperar o fim do prazo para habilitação nas maiores ações coletivas para definir a questão e "manter a estabilidade". "Quanto mais demorar o julgamento da matéria no Supremo, como tudo está sobrestado, melhor para os bancos, pois menor o número de execuções individuais nas ações civis públicas, que está prescrevendo", analisa. "Se os bancos perderem e o julgamento no STF for adiado, com as vitórias que tiveram no STJ, a vitória já terá se consolidado, pois ninguém mais poderá entrar com execução individual. Desta forma, para eles, é ganhar ou ganhar."
O caso a que os bancos se referem é o que trata dos expurgos inflacionários de cadernetas de poupança decorrentes dos planos econômicos dos anos 80 e 90. Os planos foram medidas tomadas pelo governo federal para tentar acabar com a hiperinflação do período. De acordo com o IBGE, os índices inflacionários apurados no IPC ultrapassaram a barreira dos 1.000%. Entre 1985 e 1994, quando veio o Plano Real e derrubou a inflação, segundo dados do IBGE levados ao Supremo pelo Banco Central, a inflação acumulada “chegou a inaceitáveis 200 milhões por cento”, conforme consta de memoriais entregues pelo BC ao Supremo, aos quais a ConJur teve acesso.
A alegação dos bancos, e do governo, é a de que não havia outra opção. Caso não seguissem o que determinaram os planos, os bancos corriam o risco de sanções administrativas e até de serem impedidos de atuar no mercado financeiro. De acordo com memoriais entregues pelo Banco Central ao STF, o governo agiu no seu dever constitucional de manter a estabilidade monetária do país. E os bancos alegam que não poderiam ter feito nada diferente, já que a desobediência às regras do BC acarretaria em sanções administrativas.
O que os poupadores reclamam, no entanto, é da aplicação retroativa dos índices de correção fixados abaixo da inflação. Alegam que os mecanismos dos planos deveriam se aplicar apenas aos novos contratos, e não aos que já estavam em andamento. A retroação, dizem, viola "ato jurídico perfeito", que são os contratos de caderneta de poupança, e o "direito adquirido" a ver suas cadernetas renderem de acordo com a inflação medida pelo IPC, infringindo o inciso XXXVIII do artigo 5º da Constituição.
Portanto, o que está para o STF definir é se essa aplicação retroativa foi constitucional ou não. Caso decida que foi inconstitucional, os bancos deverão pagar as diferenças entre a correção monetária aplicada pelos planos econômicos e a correção feita de acordo com o IPC, índice que mede a inflação e que era usado como parâmetro de correção das cadernetas. Essa diferença é o que são chamados expurgos inflacionários.
Com calma
E se os bancos ainda não têm certeza da vitória, e até contam com a derrota, é melhor que o Supremo espere e, por enquanto, deixe tudo como está. É que o Superior Tribunal de Justiça, em 2010, praticamente resolveu a questão. Decidiu que o prazo para propor ações coletivas era de cinco anos, e não 20, como vinha sendo decidido por alguns tribunais e definiu a forma de correção das cadernetas de poupança.
Mas a questão, também do STJ, que os bancos estão interessados, foi definida em fevereiro deste ano pela 2ª Seção. Seguindo voto do ministro Sidnei Beneti, o tribunal entendeu que o prazo para particulares se habilitarem em ações coletivas é de cinco anos, contados a partir da propositura da ação no primeiro grau. Antes, a jurisprudência convivia com o prazo de cinco anos, definido no Código Civil de 2002, mas também com o de 20 anos, descrito no Código Civil anterior, de 1916.
Esse prazo de cinco anos termina no primeiro trimestre de 2014 para as principais ações. Outras terminam no início de 2015. Com a decisão do STJ de que o prazo para reclamar dos expurgos termina em cinco anos, 1.015 das 1.030 ações coletivas que corriam foram automaticamente extintas. Dessas 15, as principais que ficaram foram do HSBC, que absorveu as cadernetas de poupança do Bamerindus, e do Banco do Brasil. Outra delas é do Itaú, um dos maiores bancos privados a oferecer cadernetas de poupança na época.
Segundo Luiz Fernando Pereira, é por isso que os bancos estão pedindo "calma" aos ministros. Preferem que os membros da corte saiam de férias para refletir sobre o assunto e voltem em fevereiro, para discutir detidamente sobre a questão. A revista Consultor Jurídico não conseguiu contato com os representantes dos bancos até a conclusão desta reportagem.