Em 2010, o caso do aldeão chinês Zhao Zuohai provocou uma comoção nacional, quando se descobriu que ele passou dez anos na cadeia por nada. O homem que ele teria matado apareceu vivo. Ele foi libertado e três policiais que o haviam torturado para obter a confissão de assassinato foram presos. O caso deu força política ao Judiciário chinês para promover o que já estava nos planos: uma ampla reforma do sistema judicial do país.
Agora, o plano de reforma da Justiça chinesa foi colocado no papel. A Suprema Corte do Povo divulgou um documento, com um pacote de medidas para "melhorar os mecanismos de julgamentos criminais". A primeira medida foi ilustrada com o caso de Zhao Zuohai. A corte instruiu todos os juízes da China a excluir dos processos criminais quaisquer testemunhos, provas ou confissões resultantes de tortura ou de outros métodos ilegais.
Isso significa que os tribunais devem sempre levar em consideração a probabilidade de a polícia haver utilizado métodos que causam sofrimento ao réu ou a testemunhas, como "exposição a temperaturas extremas, à fome, à sede e à exaustão" (devido a interrogatório prolongado). A corte reconhece que, na China, policiais têm usado esses "métodos ilegais", além da tortura explícita, para abreviar o processo de investigação e indiciar alguém.
A Suprema Corte também recomendou aos juízes que abandonem o conceito e a prática tradicional de colocar o testemunho como o elemento mais valioso do processo. E que, em vez disso, passem a valorizar as provas materiais. As "novas regras estipulam que fatos e provas usadas para condenar um réu precisam ser indubitáveis e suficientes", acrescentou o documento. E explicou:
"Um tribunal deve considerar um réu inocente, de acordo com a lei, se a prova não for suficiente para a condenação. E, se a prova for adequada para estabelecer a culpa, mas não for suficiente para o juiz determinar a sentença, o tribunal deve decidir em favor do réu". E o documento reitera: "Qualquer prova obtida ilegalmente deve ser excluída".
De acordo com uma declaração oficial no site da própria corte, essas ferramentas nas redes sociais representam "um esforço para promover a transparência judicial; a corte quer fomentar a abertura, valorizar a opinião pública e ampliar o canal para o público supervisionar as autoridades judiciais; há interesse do Judiciário em ter maior interação com o público".
Redes sociais
A divulgação do documento que descreve a reforma da Justiça chinesa foi feita através de um novo meio de comunicação do Judiciário chinês: as redes sociais. A Suprema Corte do Povo criou contas oficiais nos sites Sina Weibo e WeChat, que se assemelham ao Facebook e Twitter.
Aparentemente, funcionou. Cinco horas depois da criação da conta na Weibo, por exemplo, 76 mil usuários se tornaram "fãs" da Suprema Corte, de acordo com o Shanghai Daily, o Global Times e a agência de notícias Xinhua, esta de propriedade do estado. Nos EUA, a notícia foi repercutida por alguns meios de comunicação de peso, como a CNN.
A Suprema Corte recomendou a todos os tribunais do país que usem a rede social como uma ferramenta de interação com a população e de fortalecimento da comunicação entre os cidadãos e o Judiciário. Para a corte, isso promove a transparência, a Justiça, a imagem do Judiciário e sua credibilidade.
A rede social deve ser usada para divulgar informações importantes sobre julgamentos e documentos essenciais, bem como "para tomar a iniciativa de responder às inquietações sociais".
A decisão de explorar as redes sociais foi tomada depois de uma experiência bem-sucedida em agosto, que foi elogiada pela imprensa chinesa e internacional, dizem os jornais. O julgamento de Bo Xilai, ex-secretário do Escritório Político do Comitê Central do Partido Comunista, foi transmitido online, em tempo real, com atualizações seguidas. Xilai foi sentenciado à prisão perpétua por corrupção, desfalques e abuso de poder.
O tribunal de Jinan publicou centenas de informações durante o julgamento, que incluíam transcrições, fotos, áudio e arquivos de vídeo de provas na rede social. "Foi como se estivéssemos presentes no julgamento", disse o chefe do centro de pesquisa de contencioso e Justiça da Universidade de Fudan, Xie Youping. "Tal abertura e transparência nunca ocorreu no passado", declarou.
Transformações
No mesmo circuito de promessas de mudanças, a China anunciou, na semana passada, planos de abolir o sistema de "reeducação através do trabalho", que mantém milhares de pessoas presas no país, sem julgamento.
A corte também determinou que julgamentos que podem resultar em pena de morte só devem ser presididos por juízes experientes. Caso as provas não sejam suficientes, a aplicação da pena de morte deve ser excluída. E o Judiciário deve trabalhar com os outros poderes para reduzir, significativamente, os tipos de crimes sujeitos à pena de morte.
No caso de julgamento de pena de morte ou de qualquer outro crime grave, que tenha repercussão popular, os tribunais devem ignorar o que a mídia divulga, bem como a pressão das partes envolvidas e até mesmo da opinião pública. Os tribunais não devem condenar nem mesmo "em nome da manutenção da estabilidade social", diz o documento.
"Os tribunais do povo devem se apegar apenas ao exercício de sua jurisdição, legalmente e independentemente", recomenda a Suprema Corte do Povo, que também aconselha os tribunais a não cederem a "petições não razoáveis das partes".
A corte determina que os tribunais devem seguir, estritamente, os procedimentos jurídicos e suas responsabilidades no exame de um caso. E ficam proibidos de tomar parte em investigações policiais ou nos procedimentos da Promotoria.
O documento, que declara a intenção de promover a proteção dos direitos humanos na China, recomenda aos tribunais que reexaminem quaisquer casos de julgamentos errados que chegarem a seu conhecimento e que tomem as providências para corrigi-lo em tempo hábil. Explica os procedimentos do tribunal e a validade de testemunhos e provas, entrando em detalhes tais como os locais de interrogatório e a autenticação de impressões digitais, análises de manchas de sangue e de cabelos.
O plano de reforma do sistema judicial da China foi preparado por uma equipe de alto nível, formada por membros da Suprema Corte do Povo, da Suprema Procuradoria do Povo e pelos Ministérios da Justiça, da Segurança Pública e da Segurança do Estado.