O Catar queria as glórias de receber uma Copa do Mundo. Mas ainda precisa saber lidar com tudo o que envolve sediar o Mundial de 2022. Quando todos os olhos se voltam para o povo catariano, eles vão ver os atrativos locais, mas também seus problemas. E um dos principais e mais graves atraiu a atenção da Anistia Internacional, que há mais de um ano produz um relatório sobre a exploração da mão de obra estrangeira no país - tal dossiê foi apresentado neste domingo, em Doha.
"É absolutamente indesculpável que, em um dos países mais ricos do mundo, os trabalhadores estrangeiros sejam explorados de forma tão cruel, privados de pagamento e com dificuldades até para sobreviver", comentou Salil Shetty, secretário-geral da Anistia Internacional.
O relatório divulgado neste domingo chegou a conclusões estarrecedoras, ainda que não sejam novidade para quem conhece a vida no Catar. Os operários imigrantes chegam ao país com a expectativa de aproveitar a explosão do crescimento econômico e as muitas ofertas de emprego na construção civil - muitas delas relacionadas com a preparação para receber a Copa de 2022. No entanto, precisam lidar com péssimas condições de trabalho e moradia, em ambientes insalubres.
Ainda segundo o relatório, muitos trabalhadores não recebem o salário prometido, ou não recebem nada. E, por causa de uma legislação conhecida como o "sistema kafala", não podem mudar de emprego ou sequer retomar a seus países. Não sem a permissão dos patrões, que não tem por que fazê-lo, com os homens obrigados a trabalhar mesmo sem receber.
"Os empregadores no Catar demonstram um revoltante descaso com direitos humanos básicos dos operários estrangeiros. Muitas (das construtoras) estão se aproveitando de um ambiente permissivo e de frouxa aplicação das leis trabalhistas existentes para explorar os trabalhadores da construção civil", disse Salil Shetty.
Durante duas visitas ao Catar, uma em outubro de 2012 e outra em março de 2013, os enviados da Anistia Internacional entrevistaram 210 imigrantes, além de diretores de empresas e dirigentes do governo do país. Segundo os relatos, muitos trabalhadores disseram ser tratados "como gado". Em alguns dos locais visitados, havia esgoto à mostra e banheiros insuficientes.
Muitos trabalhadores disseram aos membros da Anistia Internacional que pensaram em suicídio, diante da impossibilidade de retornar a seus países. Como eles não recebem, seus familiares passam por necessidade, o que agrava do desespero dos estrangeiros da construção civil no Catar.
O crescimento econômico acelerado na diminuta península do Golfo Pérsico criou uma demanda enorme por mão de obra, que a pequena população catariana não pode prover. Assim, muitos homens de países africanos e do sul e sudeste da Ásia veem a oportunidade de sustentar sua famílias.
Com os preparativos para a Copa do Mundo de 2022 se intensificando nos próximos anos, tal demanda só tende a aumentar. Mas agora os olhos do mundo estão sobre o Catar. O governo local promete melhorar a fiscalização e a aplicação da legislação vigente, além de garantir que avalia mudanças nas leis trabalhistas.