Manhã de quinta-feira, a movimentada Praça Saens Peña segue a sua rotina. Dezenas de idosos jogam cartas, a feirinha de artesanato está cheia de clientes, moradores se exercitam nos aparelhos de ginástica, e uma novidade: quase nenhuma sujeira no chão. Os mais atentos vão perceber que restam basicamente folhas de árvores e guimbas de cigarro, o resíduo mais comum de ser encontrado pelas ruas. O exemplo da Tijuca pode ser visto em outros 37 bairros da cidade que receberam o Programa Lixo Zero. Prestes a completar três meses, na próxima quarta-feira, o programa — que começou a multar quem joga lixo em vias públicas — já apresenta bons resultados. O lixo descartado irregularmente no chão teve uma redução de 50%, segundo a Comlurb.
Ainda de acordo com levantamento da prefeitura, até quarta-feira passada, foram aplicadas 13.890 multas a pessoas que jogaram lixo no chão. Como apenas 2.071 delas foram pagas, o próximo passo do município será a inscrição dos nomes dos inadimplentes no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). As ruas do Centro são os locais com mais flagrantes: 5.022 multas. Apenas dez pessoas multadas se recusaram a fornecer o documento para que a punição fosse lavrada e tiveram que ser encaminhadas à delegacia.
Presença da PM só em último caso
Segundo o presidente da Comlurb, Vinícius Roriz, a quantidade de lixo recolhida em toda a cidade — cerca de dez toneladas, 60% domiciliar e 40% do público — não diminuiu, mas houve redução do descarte no chão. Ele lembra que foi constatado o aumento na quantidade de lixo nas papeleiras, devido ao maior cuidado das pessoas com os resíduos.
— Estamos percebendo uma nova dinâmica do trabalho dos garis que trabalham nessas áreas cobertas com a fiscalização do Lixo Zero. Eles estão varrendo menos e esvaziando mais vezes as papeleiras. A Avenida Rio Branco (no Centro) é um bom exemplo. Antes do programa, ela era varrida entre cinco e seis vezes ao dia. Agora, estão sendo feitas três varrições no mesmo período — observa Roriz.
Outra mudança na fiscalização do Lixo Zero se refere às abordagens. No começo, elas eram feitas por um trio — formado por um agente da Comlurb, um guarda municipal e um PM —, mas agora são feitas por duplas.
— A presença dos policiais militares não tem sido necessária. Atualmente, trabalhamos com 235 agentes e outros 235 guardas municipais. O grupo de PMs é flutuante e usado raramente — explica o presidente da companhia.
Ainda de acordo com a Comlurb, os pequenos resíduos (papéis de bala, cigarros, guardanapos e copinhos) são os mais jogados nas ruas. E foi uma guimba de cigarro que levou um agente e um guarda municipal a multarem um homem na manhã da quinta-feira, na Praça Saens Peña. Sentado numa mureta próxima ao metrô, ele bebia um refrigerante e fumava enquanto era observado. Em poucos minutos, ele guardou a garrafa de refrigerante e foi para o ponto de ônibus. No caminho, jogou o cigarro no chão, a menos de quatro metros de uma lixeira. Acabou multado em R$ 157.
— Estava com pressa. Sou a favor da lei para multar quem joga lixo no chão, mas o valor da multa é muito alto. Estou errado e vou ter que pagar — admitiu o homem, que não quis se identificar.
Moradora da Tijuca, a funcionária pública Elaine Machado, de 53 anos, também é favorável à aplicação da multa. Para ela, as pessoas precisam ser educadas a não jogar lixo no chão:
— Depois que a prefeitura começou a multar, a quantidade de lixo está visualmente menor. É uma ação corretíssima.
Fumante, o aposentado Daniel Silva Jardim, de 69 anos, conta que já tinha o hábito de jogar guimbas de cigarro e até fósforos nas lixeiras. Morador do Andaraí, ele diz que também percebeu que as ruas do bairro estão mais limpas. Já o professor Marcelo Pereira dos Santos, de 55 anos, morador da Barra da Tijuca, acredita que a limpeza ainda pode melhorar no Centro da cidade:
— Morei durante 15 anos nos Estados Unidos, e lá as pessoas já estão acostumadas a não jogar lixo no chão. É preciso que se aprenda isso aqui no Rio também.
A conscientização da população é o objetivo da prefeitura. De acordo com Roriz, com a mudança no comportamento, a multa poderá ser extinta futuramente. O Lixo Zero prevê a aplicação de multas que vão de R$ 98 (fezes de cachorro) a R$ 3 mil (grande quantidade de entulho). O descarte irregular de lixo de menor volume, até o tamanho de uma lata de refrigerante, custa ao infrator R$ 157. A Comlurb explica que o dinheiro arrecadado com o pagamento das infrações é utilizado para financiar a própria operação e o incremento da limpeza urbana.
— Queremos ter como parâmetro o uso do cinto de segurança. No início, os motoristas que não o usavam eram multados, mas depois de um tempo eles se conscientizaram da sua necessidade. Esperamos que o mesmo aconteça com o lixo. Que as pessoas tomem consciência e parem de sujar as ruas — frisou Roriz, lembrando que o Leblon é um bairro onde os moradores aderiram ao programa. — A maioria das multas no Leblon é devida a caçambas de entulho postas na ruas fora do horário.
Abordagem com informação
Moradora do Leblon, a professora universitária Maria Luiza Pinheiro, de 52 anos, disse que também percebeu a redução de lixo no chão, mas ela ainda lamenta o fato de algumas pessoas insistirem no erro. Em quase três meses de programa Lixo Zero, o Leblon teve 1.468 multas.
— Tenho visto as pessoas apagando os cigarros e jogando as guimbas nas lixeiras, mas ainda falta educação aos brasileiros — disse Maria Luiza.
O agente de limpeza urbana, ao constatar algum desrespeito à lei 3.273, aborda o cidadão e informa a infração cometida. Em seguida, o agente solicita o CPF do infrator, e o guarda municipal emite o auto de infração. O guarda imprime a multa, utilizando smartphone e impressora portátil, com a descrição do ato infracional, orientações, prazos para pagamento e eventual recurso. Posteriormente, o infrator poderá emitir, via internet, o auto de infração e boleto de pagamento. Quem for multado tem até o dia 10 do mês seguinte para recorrer.
Números
Multas: 13.890
Este foi o número de multas aplicadas até a última quarta-feira.
50% menos lixo
O volume de sujeira deixada no chão diminuiu pela metade desde que o programa foi implementado.
5.022 infrações
O número corresponde às multas aplicadas no Centro da cidade, bairro recordista em flagrantes.
470 agentes
Equipe responsável pelas abordagens: 235 agentes de limpeza e 235 guardas municipais.