O Fantástico volta a tratar das acusações do envolvimento do prefeito de Coari com um esquema de prostituição infantil. Nas duas últimas semanas, nós mostramos como esse grupo montou uma rede para aliciar meninas. Agora, ele é acusado de usar dinheiro público e até um avião da prefeitura para organizar festas com menores de idade.
A reportagem é de Giuliana Girardi, Monica Marques e Walter Nunes.
Preste atenção nessa gravação.
Alzira: Oi, Haroldo, você vai ter voo amanhã? Que eu estou com um bebê...
Haroldo: Tenho sim. Logo cedo de manhã, mas está todo ocupado.
Haroldo Portela era um dos assessores do prefeito de Coari, Manuel Adail Pinheiro. A mulher é Alzira Cavalcante, então diretora do hospital municipal da cidade, em 2007. Ela pede que um avião da prefeitura transporte até Manaus um recém-nascido com um grave problema cardíaco.
Alzira: Não, Haroldo, eu tenho que mandar um bebê que nasceu cardiopata e com síndrome de down, vai ele e o médico, só.
Haroldo: É, mas infelizmente eu não posso ajudar, Alzira.
A diretora insiste.
Alzira: Meu Deus... Eu não acredito.
Haroldo: É festa... O pessoal que vai pegar avião amanhã, meio-dia.
A justificativa: o avião estava sendo usado para transportar convidados do prefeito para uma festa.
Alzira: Mano, e não dá para abrir essas vagas para mim não, Haroldo?
Haroldo: Infelizmente não, Alzira.
Ao Fantástico, por telefone, Haroldo negou ter recusado socorro.
Haroldo: A Alzira... Ela sempre tinha o meu telefone e sempre me pedia ajuda nesse sentido e eu sempre atendia prontamente.
Fantástico: Nunca, por exemplo, um paciente ficou esperando enquanto outras pessoas, convidados da prefeitura, embarcaram nesse avião no lugar desse paciente?
Haroldo: Não, não. Nunca.
Segundo investigações da Polícia federal, o avião foi fretado com recursos do fundo municipal de saúde. Por isso deveria transportar exclusivamente pacientes em estado grave de Coari para Manaus. Por exemplo, para hospitais mais equipados. Essa viagem não é rápida, nem simples. Normalmente, Coari pra Manaus, é preciso enfrentar nove horas de viagem de lancha. Por isso o avião era fundamental pra doentes em estado crítico.
A Polícia Federal localizou a ex-diretora do hospital. Maria Alzira disse que o bebezinho que não conseguiu vaga naquele voo morreu depois.
As investigações concluíram que o avião também era utilizado para encontros de Adail com jovens e adolescentes que eram aliciadas por funcionários da prefeitura para serem exploradas sexualmente.
“Algumas dessas meninas eram transportadas pelo avião da prefeitura. No avião que devia levar remédios, levar documentos, isso ocorreu e tem provas nos autos”, afirma Juliana Câmara, procuradora da República.
Fantástico: Meninas menores de idade?
Juliana Câmara: Também. Também menores.
Nessa outra gravação, o ex-secretário de administração, Adriano Salan, conversa com um dos aliciadores. Agora, para transportar algumas jovens. Nesse dia, havia avião disponível.
Adriano: Tem que ver. Porque, pô, eu vou disponibilizar aí uma aeronave só pra trazer elas, é f. Mas tem que falar com ela: "Tu vai ficar com Adriano!
Esta semana, Adail Pinheiro prestou depoimento ao Ministério Público. Ele negou as acusações. Disse que conhecia os funcionários da prefeitura, apontados pelas vítimas como aliciadores no esquema de exploração sexual infantil. Mas negou que conhecesse esse tipo de ação por parte dos servidores.
Não é o que aparece nesta gravação. Em alguns casos, Adail tratava diretamente com os aliciadores de menores. Maria Lândia dos Santos, ex-secretária de ação social da prefeitura, costumava levar meninas para o prefeito.
Adail: E aí, Lândia?
Lândia: Chefe, tem uma loirinha do estágio aqui, que ela é bonitinha; já falei com ela; ela vai, tudo direitinho. É uma gateada, verde, cabelão comprido, enrolado, toda bonitinha. A outra é colega dela também... E aí?
Adail: Tá bom.
Adail: Lândia, onde tu tá, Lândia?
Lândia: Eu tô aqui na festa.
Adail: E como é que tá o movimento aí?
Lândia: Tá bom, e outra coisa: as meninas que o Adriano apontou tudinho, estão tudo comigo aqui, entendeu?
Adail: Qual?
Lândia: Aquela altona... Pergunte pro Adriano que ele explica tudinho qual é. Ela é de menor, só que ela é liberada.
Adail: Ela é o quê?
Lândia: Ela é liberada... não tem negócio de mamãe, não.
Menores. Agora, é o ex-secretário Adriano quem faz uma encomenda:
Adriano: Queria dois filé assim pouca quilometragem.
Aliciadora: É... Tu quer 1.4 pra 1.5? É, eu tenho uma, tá até chegando aqui na casa dela, olha.
1.4 e 1.5, segundo a Polícia federal, seria o código usado para definir a idade das meninas aliciadas. 14 e 15 anos.
Adriano conversa com outro aliciador. Eles se referem a uma das meninas como "projetinho". Ela teria sido encomendada para o prefeito Adail.
Fabinho: Tá, deixa eu te falar uma coisa: está indo comigo aquela... Aquele “projetinho”, pequeninho, que o nosso amigo gostou muito. Sabe? O mais novinho...
Adriano: Ah, tá.
O "projetinho" é uma garota. Na época, a menina tinha 15 anos. Era modelo. Chegou a ser contratada pela prefeitura para trabalhar numa festa.
“Pra recepcionar os artistas que fossem para lá, e que não aconteceu isso. Fui pega de surpresa”, conta.
Fantástico: A festa era uma armação para vocês terem contato com o prefeito?
Menina: Bom, fiquei sabendo depois disso. Até então eu não sabia.
Não houve festa. As modelos foram levadas para um barco.
Fantástico: Você chegou a ficar sozinha com o prefeito?
Menina: Sim, no quarto.
Fantástico: Num barco?
Menina: No barco, que é o camarote, no caso do lado da mesa.
Fantástico: Ele te assediou?
Menina: Sim.
Fantástico: Como você conseguiu se desvencilhar disso? Fugir da situação?
Menina: Bom, como ele percebeu e eu falei também o tempo todo o nome dos meus pais, que eu não precisava disso, que eu tava achando estranha a situação, acho que ele percebeu que, sei lá, que não era garota de programa ou que não tinha nada a ver aquilo comigo.
O prefeito não quis dar entrevista para o Fantástico. Os ex-servidores Adriano Salan e Maria Lândia também disseram, por telefone, que não iam se manifestar.
Ameaças. As vítimas que denunciaram tiveram que lidar com ameaças.
Menina: Minha vida virou um inferno depois disso. Ligações pra minha casa.
Girardi: Dizendo o quê?
Menina: Que pra eles não ia acontecer nada, e que quem ia sair prejudicada seria eu, meu pai, minha mãe, minha família, né?
“Todas as pessoas que foram ouvidas fazem alguma menção ao prefeito e diziam estar agindo em nome do prefeito ou por ordem do prefeito. Então o Ministério Público acredita que sim, que ele tinha pleno conhecimento das atividades que ocorriam na prefeitura”, afirma Juliana Câmara, procuradora da República.