A partir da próxima segunda-feira, 10 de março, meninas de 11 a 13 anos poderão receber gratuitamente a vacina contra o HPV (papiloma vírus humano) nas escolas e nos postos de saúde de todo o País. Apesar de parecer uma ação positiva do governo, a iniciativa gerou polêmica entre os especialistas.
A inclusão da vacina no calendário nacional foi desaprovada pela SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade). O diretor da entidade, Daniel Knupp, questiona sua segurança.
— As evidências científicas sobre a eficácia e segurança da vacina ainda são muito frágeis. Além disso, alguns estudos mostram que ela aumenta a incidência de diabetes tipo 1 e outras doenças autoimunes, como Síndrome de Behçet.
Rebatendo as críticas, a pediatra Isabella Ballalai, presidente da SBIm-RJ (Sociedade Brasileira de Imunizações do Rio de Janeiro), garante que a vacina é eficaz contra verrugas e lesões causadas pelo HPV.
— Esta não é a primeira nem a última vez que as pessoas relacionam uma doença com um tipo de vacina. Coincidências existem e até o momento a vigilância sanitária não detectou nenhum evento adverso grave. É preciso avaliar a veracidade e os critérios utilizados nestes estudos.
Sobre a recente retirada da vacina do Japão, a médica reforça que “não há comprovação de que mortes estejam relacionadas com a imunização”. A ginecologista e obstetra Márcia Fuzaro Terra Cardial, membro da diretoria da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo), acrescenta que o país também não é adepto de campanhas de vacinação.
Por meio de nota, o Ministério da Saúde informou que para implantar a vacina no País, a pasta “seguiu as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), a experiência de outros países, o apoio do CTAI (Comitê Técnico de Assessor em Imunizações), a garantia da sustentabilidade da vacina e um estudo realizado pela professora Hillegonda Maria Dutilh Novaes, do Departamento de Medicina Preventiva da USP (Universidade de São Paulo)”. Além disso, a vacina é utilizada como estratégia de saúde pública em 51 países, como Canadá, México, Colômbia e Suíça.
Segundo Knupp, a vacina reduz a incidência de algumas lesões no colo do útero, mas “não elimina totalmente a chance de a menina desenvolver a doença no futuro”.
— A vacina quadrivalente que será oferecida pelo SUS previne apenas quatro tipos de HPV (6, 11, 16 e 18) contra mais de 150 que existem. Além disso, alguns estudos mostram que a mulher fica imunizada por sete a oito anos, depois deste período ela estaria desprotegida novamente.
Pesquisadora do HPV desde 1990, Márcia rebate a afirmação e avisa que as pesquisas garantem imunização de pelo menos dez anos.
— Até o momento, a vacina não mostrou necessidade de reforço porque não houve perda de eficácia. Pode ser que em longo prazo uma dose de reforço seja necessária, como acontece com outras vacinas, mas não podemos afirmar que ela tem prazo de durabilidade.
Além do câncer de colo de útero, Márcia, que também é professora da Faculdade de Medicina do ABC, avisa que a vacina previne o tumor na vagina, vulva, ânus, orofaringe e, no caso de meninos, pênis.
— Cerca de 80% das mulheres tiveram, têm ou terão HPV alguma vez na vida, por isso é importante estimular os pais a autorizarem a vacinação de suas filhas na escola. Esta iniciativa do governo é uma vitória da população.
As três etapas da vacina
Desde que a vacina foi lançada comercialmente no Brasil, em 2006, ela é aplicada em três doses. A menina recebe a primeira e, dois meses depois, a segunda. A terceira aplicação é feita após seis meses da primeira. Mas o esquema de vacinação do SUS (Sistema Único de Saúde) será outro: a segunda dose será aplicada seis meses depois da primeira e a terceira após cinco anos.
Questionado sobre esta mudança, o Ministério da Saúde disse por meio de nota que o esquema estendido é recomendado pelo TAG/OPAS (Grupo Técnico Assessor de Imunizações da Organização Pan-Americana de Saúde) e adotado por países, como Canadá e Suíça.
Para a pediatra da SBim, a estratégia é válida para meninas menores de 15 anos.
— Nesta faixa etária, as meninas produzem, no mínimo, o dobro de anticorpos que as mais velhas, tornando o esquema eficaz. O único problema é o que acontecerá se após cinco anos estas meninas não tomarem a terceira dose, por esquecimento, por exemplo.
O esquema convencional continua disponível apenas a quem pode pagar pela vacina nas clínicas particulares, que custa em torno de R$ 1.000.
Para o Ministério, com a adoção desse esquema foi possível ampliar a oferta de vacinação. No ano que vem, a cobertura incluirá as meninas de nove a 11 anos. A partir de 2016, a ação ficará restrita às garotas de nove anos.
A vacina contra HPV tem eficácia comprovada para proteger mulheres que ainda não iniciaram a vida sexual e, por isso, não tiveram nenhum contato com o vírus. Mesmo protegida, a ginecologista da Sogesp alerta a importância da camisinha e dos exames de rotina.
— A camisinha deve ser usada em toda relação sexual e colocada no momento da ereção, já que o HPV pode ser transmitido durante as preliminares sem proteção. Já o papanicolau [exame ginecológico] deve ser feito quando a mulher iniciar sua vida sexual. A partir dos 30 anos, também é recomendado fazer o exame de HPV.
Você sabe o que é HPV?
O vírus do HPV é transmitido por meio do contato sexual e responsável pela quase totalidade dos casos de câncer de colo do útero. Segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), este é o segundo tumor mais frequente na população feminina, atrás do câncer de mama, e a segunda causa de morte de mulheres por câncer no Brasil.
De acordo com a ginecologista Márcia, a vacina entra em cena como uma ferramenta eficaz de prevenção, mas como o HPV é uma doença comum ela alerta que “o diagnóstico precoce e o tratamento adequado garantem a maior chance de cura”.