Um novo estudo da Universidade do Estado de Ohio, financiado pelo Instituto Nacional de Saúde da Criança e Desenvolvimento Humano Eunice Kennedy Shriver, dos Estados Unidos, está gerando polêmica ao sugerir que os benefícios da amamentação para a saúde e o bem-estar estão sendo supervalorizados. Em outras palavras, os cientistas questionaram o resultado de inúmeras pesquisas publicadas pelas mais respeitadas revistas científicas do mundo nos últimos anos, que apontam que o leite materno fortalece o sistema imunológico, diminui o desenvolvimento da obesidade e até mesmo problemas neurológicos.
Publicado na revista “Social Science & Medicine”, o estudo analisou dados da Pesquisa Longitudinal Nacional da Juventude dos EUA desde 1979. Eles avaliaram informações de 8.237 crianças e 1.773 pares de irmãos alimentados de forma diferente quando bebês — uns tinham recebido leite materno e outros complemento alimentar. De acordo com os autores, a opção por avaliar irmãos teve como objetivo excluir diferenças sociais, genéticas e de criação do resultado.
“Muitos estudos anteriores não controlaram ou não puderam controlar estatisticamente fatores como raça, idade, renda familiar, o emprego da mãe — coisas que sabemos que podem afetar tanto a amamentação quanto os resultados de saúde”, disse Cynthia Colen, professora de sociologia da Universidade do Estado de Ohio e principal autora do estudo. “Mães com mais recursos, com níveis mais elevados de educação e de renda e mais flexibilidade em suas programações diárias são mais propensas a amamentar seus filhos e fazê-lo por longos períodos de tempo”.
Os pesquisadores analisaram 11 indicadores de saúde e bem-estar infantil: índice de massa corporal (IMC), obesidade, asma, hiperatividade, relação afetiva com os pais e comportamento de obediência, bem como pontuações prevendo desempenho acadêmico em vocabulário, leitura, matemática, inteligência e competência escolar.
Apesar das análises sugerirem que a amamentação com leite materno levou a melhores resultados do que a alimentação com mamadeira em 8 dos 11 indicativos, a comparação com irmãos da mesma família foi descrita como tendo diferenças próximos do zero, ou estatisticamente não significativas. Com isso, a equipe concluiu que o melhor desempenho no estudo geral poderia ter ocorrido por fatores externos. Eles também sugeriram que os irmãos amamentados eram mais propensos a ter asma.
Assim que publicada, a pesquisa gerou respostas ao redor do mundo. O Serviço Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido revisou o estudo e publicou em seu site texto com diversos questionamentos. De acordo com o NHS, “não está claro por que essa tendência inversa (da asma) foi encontrada neste estudo, mas ele não mostra que a amamentação provoca asma ou que a mamadeira impede”.
— O resultado que aponta que a amamentação pode gerar asma é bobagem. É tão impossível que não pode ser levado em consideração — afirma Marisa Aprile, presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria. — Ao contrário, a amamentação reveste o trato respiratório, e pesquisas já comprovaram que crianças alimentadas apenas com leite materno até os seis meses tinham crises mais brandas e eram menos dependentes de oxigênio mesmo com bronquiolite.
Um dos pontos mais questionados da pesquisa é a base de dados. Eles não levam em consideração, por exemplo, o tempo de amamentação do bebê e nem se o leite materno foi o único alimento da criança até os meses — conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde. No caso dos irmãos, os pesquisadores não questionam os motivos pelos quais a mãe amamentou um e não outro filho.
“Uma mãe pode ter começado a amamentar o seu filho, ter encontrado problemas, não ter tido um bom suporte e logo depois ter introduzido a fórmula (complemento alimentar para bebês). Para os pesquisadores, a criança foi amamentada mesmo que tenha sido apenas uma vez”, escreveu Mike Brady, coordenador de campanha da Baby Milk Action, no site da ONG. “Será que devemos realmente esperar que essas crianças tenham ganhos significativos em leitura e habilidades matemáticas anos depois?”.
De acordo com Marisa, o ano da coleta de dados também pode ser considerado um dos pontos questionáveis do estudo.
— Se reparar bem, eles usam dados que começam em 1979, uma época onde não conhecíamos exatamente todos os benefícios da amamentação. A orientação não era adequada e por isso muitas mulheres tinham problemas para amamentar — explica Marisa. — Antigamente também a indicação era dar suco a partir dos dois meses e fruta a partir dos três. Os estudos atuais que mostram os benefícios da amamentação se baseiam em crianças que só mamam até os seis meses.
Maria Lúcia Futuro, uma das coordenadoras da ONG Amigas do Peito, acusa a indústria de alimentos e bebidas para bebês de tentar fabricar dúvidas sobre a importância da amamentação.
— Eu vi o estudo e deu vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. Pois ele tem um monte de furos, mas vai servir para que pessoas não tão esclarecidas questionem a amamentação. E isso acontece justamente no momento em que o mundo inteiro se conscientiza dos benefícios do leite materno e as indústrias começam a se sentir ameaçadas — acusa Maria Lúcia.
O estudo de Ohio questiona a culpa que as mulheres sentem por não poder amamentar e afirma que investimentos em políticas de licença maternidade, creches públicas e um melhor salário para mães de baixa renda poderiam ser mais benéficos do que o leite materno. Segundo Marisa, uma coisa não tem a ver com a outra:
— Tenho a impressão de que algumas pessoas supervalorizam o fato de umas mulher conseguirem amamentar e outras não. As que amamentam foram abençoadas, mas não quer dizer que as que não conseguiram não tenha feito coisas muito boas para seus filhos. Mas ao invés de usar a energia para falar mal do leite materno, deviam usar a mesma energia para dar suporte as que não conseguem alimentar seus filhos naturalmente.
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