O deputado estadual Alexandre César (PT) solicitou da Mesa Diretora a instalação da Comissão da Verdade em Mato Grosso para que fatos, relatos e documentos relacionados ao período da ditadura sejam revelados. A comissão já foi aprovada por meio da Resolução n° 3.575, de 19 de fevereiro deste ano e dispõe sobre a apuração de graves violações dos Direitos Humanos durante o período de 1964 até 1985 ocorridas no território do estado de Mato Grosso", porém, ainda não foi efetivada.
"Faço um apelo para colocarmos Mato Grosso nesta pauta, que não é negativa e não é ruim, não é remexer no passado, é fazer justiça à memória daqueles que foram perseguidos, punidos, torturados, mortos ou desapareceram. É preciso que nós, em Mato Grosso, cumpramos nosso papel. É um período que precisa ser lembrado para que ditaduras não mais se repitam", afirmou.
O parlamentar lembrou os 50 anos do golpe militar no Brasil e contou história de sua família que sofreu repressão com a ditadura militar. O avô do petista havia sido vereador pelo Partido Comunista em Rio Claro, estado de São Paulo, e foi preso na época do golpe, e seu pai, que era suplente de vereador, foi cassado. Além dos dois, o tio do deputado também foi preso e processado na "época de chumbo".
"Meu avô que tinha sido eleito vereador pelo Partido Comunista em Rio Claro, estado de São Paulo, foi preso por diversas vezes desde os primeiros momentos da ditadura, por sorte nunca foi torturado, mas respondeu processos, e tudo aquilo deixou uma marca muito forte na nossa história e na nossa vida. Meu pai que era suplente de vereador, no momento do golpe, foi cassado pelo regime militar, já que era um propósito de que nem os suplentes pudessem assumir nas vagas dos vereadores que foram cassados pelo regime instaurado naquele momento. E meu tio, Benedito Tadeu Cesar, irmão do meu pai, respondeu diversos processos e foi preso diversas vezes como professor da Universidade Federal do Espírito Santo", relatou durante sessão na noite desta terça-feira (1º).
Alexandre lembrou que nos momentos mais cruéis da ditadura pessoas foram presas injustamente, torturadas, mortas, desaparecidas, estupradas e tiveram a trajetória de suas vidas e de suas famílias alteradas de forma brutal. O petista destacou que a imprensa sempre faz questão de apontar uma ditadura amena em Mato Grosso, alega que o estado não sofreu tanto com a imposição do regime militar, porém, a história mostra importantes lideranças presas nesse período, dentre elas, o deputado federal Carlos Bezerra, o poeta e advogado Silva Freire, Agrícola Paes de Barros, Zoroastro Teixeira e outros.
Ditadura em MT
A história do estado de Mato Grosso foi afetada também no período da ditadura com a divisão do estado, sem uma consulta popular. A ação de separar o território mato-grossense gerou diversos danos para o estado e ocorreu em pleno regime militar de forma arbitrária. Alexandre ressalta as matérias veiculadas nos jornais e sites da capital que apontam para desaparecimento de documentos e outras que relatam histórias ocorridas no período ditatorial.
Por isso, o deputado defende a instalação da Comissão da Verdade para que estes testemunhos sejam feitos de forma oficial para que fiquem pra história de Mato Grosso e sirva também de exemplos para que não mais se repitam.
"Em Mato Grosso, a historiografia tem dado conta de uma situação aparentemente mais branda, todo ano nesta época, os jornais noticiam que em Mato Grosso a ditadura foi mais leve, portanto não causou grandes males. E por isso dizem, essas fontes, que em Mato Grosso nós não sentimos tanto os males provocados pelo regime militar. Porém, é preciso repensar esta versão. Em primeiro lugar porque nós ainda não passamos este período histórico a limpo, não produzimos um espaço de discussão, reflexão, debate, sobre os impactos causados na vida das pessoas e no descumprimento dos direitos humanos provocados pelo regime ditatorial que se instalou a partir de 1º de abril de 1964", discursou
"Para isso é imperioso que instalemos em Mato Grosso a Comissão da Verdade, para se ter um espaço para coletar as informações e passar a limpo este momento triste da história do Brasil que se estendeu por 21 anos e tantos males causou. Ceifou vidas de diversas lideranças políticas na flor da idade e suprimiu tantas garantias e o bem maior, nossa liberdade", cobrou.
Indígenas e agricultores
Documentos recuperados pela Comissão Nacional da Verdade e pelas comissões estaduais, como o relatório Figueiredo, dão conta de ações de extermínios de povos indígenas ocorridas em Mato Grosso.
Alexandre destaca ainda a forma e modelo de ocupação adotado pelo regime militar que dizimou não apenas os povos indígenas, mas também trabalhadores rurais. O deputado relata ainda que grandes grupos econômicos eram financiados pelos fundos de desenvolvimento e implantaram no estado um modelo de latifúndio excludente, opressor e que promove a desigualdade social, que há anos vem sendo denunciada por pessoas como Dom Pedro Casaldáliga.
"É preciso passar a limpo não apenas o dia do golpe, mas tudo aquilo que sucedeu e os efeitos da implantação da ditadura em nosso estado", afirmou.
Dentre os afetados pelo regime militar está o deputado federal Carlos Bezerra, e sua esposa, deputada Teté Bezerra (PMDB), apoiou a iniciativa do petista e lembrou que a dificuldade no surgimento de novas lideranças políticas deve-se ao período da ditadura e contou ainda o sofrimento do marido no período em que esteve preso.
"O deputado Carlos Bezerra passou por um dos momentos mais tristes da vida dele, quando aos 22 anos teve de ir ao velório de uma filha algemado como se fosse um criminoso e isto com certeza é uma marca que ele traz pra vida toda. Um sofrimento dele e de toda a família pelo grande constrangimento que passaram. Assim como ele, milhares de pessoas passaram pela mesma situação, pessoas que até hoje estão desaparecidas", relatou Teté que também pediu a instalação urgente da Comissão da Verdade.
Alexandre aproveitou também para repudiar aquelas pessoas que defendem a volta do regime militar e lembrou que a democracia no país ainda é jovem, em fase ainda de aprendizado, e isto é feito com erros e acertos. Porém, não se pode acreditar que a opressão seja a solução para os problemas enfrentados pelo país, atualmente.