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Terça - 20 de Maio de 2014 às 11:54
Por: Adamastor Martins de Oliveira

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“O gol que o Pelé não fez, o gol que o Pelé não fez...”. Foi assim que o narrador Gelton Lima, da Ecoacre FM, relatou o golaço de Gessé, do Atlético-AC, na goleada por 4 a 1 em cimado Andirá, no estádio Florestão, em Rio Branco, pelo Campeonato Acreano 2014. Há exatamente um mês. O atacante rio-branquense, humilde, com 1,73m de altura, 66kg e 27 anos, pegou em cheio de antes do meio-campo - e de primeira. Um chute inimaginável. Um chute que levou a bola para o fundo das redes e tirou Gessé do anonimato. Fama repentina para um menino que teve uma infância dolorosa sem o pai, enfrentou a fome para estudar e ignorou os conselhos da mãe para fazer o que o brasileiro mais gosta: jogar futebol.

Em uma manhã de pouco sol e uma calmaria tradicional, Gessé recebeu a equipe do GloboEsporte.com em sua residência, que fica no bairro Recanto dos Buritis, em Rio Branco, capital do estado que tem 760 mil habitantes. A entrevista aconteceu na sala, ao som de uma música evangélica. Ele construiu a casa para morar com a esposa, Josane Pessoa, e a filha Letícia, de três anos, atrás do imóvel da mãe, dona Sebastiana, 49 anos. Sem experiência no ramo, ele se orgulha: com a ajuda de um pedreiro, ergueu o lugar onde mora. Mas, para chegar até aqui, Gessé passou por momentos difíceis, dolorosos e de superação. Os clichês exemplificam a história vitoriosa do jogador.

Mosaico Gessé jogador trabalho rotina (Foto: Editoria de Arte)

Foi uma infância batalhadora, sofrida. O pai, Francisco, foi embora de casa quando o garoto tinha cinco anos. Não foi o bastante para deixá-lo desistir daquilo que queria. A condição financeira era pequena. Tanto que Gessé e a irmã (que hoje tem 27 anos) usavam apenas um caderno na escola durante todo o ano. Para ganhar espaço, eles colavam folhas em branco para reaproveitar os cadernos. Dona Sebastiana tinha o dever de criar os dois, sozinha.

- Foi doloroso. Nós perdemos um pouco o rumo - relata Gessé.

Sebastiana casou novamente. O padrasto, Adalberto, que o ensinou a ser homem. Era um cara batalhador, que fazia de tudo para botar o pão na mesa. Seu Adalberto, porém, logo partiu. O pai, que mora em Rio Branco, não vê Gessé há mais de três anos. A distância é tanta que o jogador não consegue sequer lembrar a idade do genitor.

- Poucas vezes o vejo. Conto nos dedos das mãos as vezes em que o vejo. Fiquei sabendo há pouco tempo que ele voltou a morar com minha avó, mas não tive a oportunidade de vê-lo.

Gessé e a irmã na infância (Foto: Arquivo pessoal)Gessé e a irmã na infância (Foto: Arquivo pessoal)

A mãe era (e é) funcionária pública. Começou como zeladora de escola e hoje é inspetora. No início, ela limpava as salas e tinha a ajuda de Gessé. Trabalhava em duas escolas, uma no município de Senador Guiomard, interior do estado, e outra em Rio Branco, que fica a cerca de 25km. Enquanto ela estava em uma, Gessé e a irmã estavam em outra. Assim, ela conseguia aumentar um pouco a renda. Para ajudar ainda mais, o jovem fazia alguns bicos em lanchonete, vendia picolé e trabalhava com a avó em lanche de escola.

Gessé nasceu em Senador Guiomard, onde morou até os 17 anos. Quando terminou o ensino médio, se mudou para Rio Branco (2003). Inicialmente, a família morou de aluguel na capital, em uma casa simples no bairro Santa Inês. Há quatro anos, a mãe, que morava em área de risco, foi contemplada num programa de subsídio habitacional e passou a morar no Recanto dos Buritis. Gessé, já casado e morando de aluguel com a esposa grávida, juntou dinheiro. Não juntou o suficiente para comprar o terreno, mas ganhou parte do terreno da casa da mãe e construiu uma residência, com as próprias mãos e a ajuda de um pedreiro.

A vida no futebol começou aos 17 anos no Bangu, do Quinari. Sem a mãe e o padrasto, que falecera na época, Gessé morava em um hotel do município, cedido pelo presidente do clube. Além de jogar, ele ajudava nos trabalhos do restaurante e do hotel. Também apostava nos estudos, mas muitas vezes ia para a escola sem almoçar. A fome era saciada com a vontade jogar futebol.

- Já são 13 anos de futebol ouvindo pessoas dizendo que não ia conseguir, dizendo que tinha que largar isso. Todos os fatos que marcaram minha história foram para me dar mais combustível e mais força para vencer.

gessé atlético-ac com a família (Foto: Reprodução/TV Acre)

Gessé com a esposa e a filha de três anos (Foto: Reprodução/TV Acre)

Depois do Bangu, jogou no juvenil da Adesg. Em seguida, passou a defender o Juventus-AC, onde passou quatro anos na categoria de base. No Rio Branco, atuou nos juniores e passou ao profissional, em 2006. Na temporada seguinte, defendeu o Andirá. Em 2008, não jogou futebol de campo e vestiu a camisa do time de futsal do Vasco, do Rio. Em 2009, acertou com o Holanda-AM.

- Tive a oportunidade de jogar contra o Coritiba, pela Copa do Brasil. Conheci jogadores que ainda estão em atividade, como Pedro Ken, Renatinho, Vanderlei, Marcos Aurélio (que está no Sport). Até ganhei uma camisa do Pedro Ken. Foi um momento que ficou marcado.

Em 2010, voltou às quadras com a camisa do Pé de Ouro, time de futsal de Rio Branco. A partir do ano seguinte até hoje defende o Atlético-AC. Em 2013, também jogou pela AABB-Rio Branco, equipe de futsal, e conquistou o título mais importante da carreira: Liga Norte. Agora, o objetivo é chegar ao título do futebol profissional.

Gessé, atacante do Atlético Acreano (Foto: João Paulo Maia)Gessé, atacante do Atlético Acreano (Foto: João Paulo Maia)

- Ser jogador de futebol sempre foi meu sonho. Quando era mais novo, minha mãe saía para trabalhar, eu pulava os quintais para jogar bola num campinho abandonado. Apanhei bastante da mãe porque era muito travesso. Minha mãe não imaginava que isso tudo ia acontecer, ela sabia das dificuldades do futebol e sempre me incentivou a estudar. Com 18 anos fiz minha primeira viagem (foi para Porto Alegre jogar uma competição nacional pelo futsal do Acre). Ela foi me deixar na rodoviária e chorou bastante.

O golaço e a fama repentina, porém, praticamente não alterou a rotina previsível de Gessé e a família. Em maio, está trabalhando como frentista no posto de combustível à noite para substituir um colega de férias. Pela manhã, acorda às 5h30 e leva a filha à escola e a esposa ao trabalho. Quando retorna, arruma a casa, faz almoço, lava a roupa e assume o papel de "dono de casa". Além de ser jogador de futebol, sonhou em ser chef de cozinha, mas hoje se contenta em ter como especialidade fazer macarronada. À tarde, treina no estádio Adauto Frota. No segundo semestre, Gessé voltará à sala de aula. Ele ganhou uma bolsa de estudo em uma universidade particular de Rio Branco e vai continuar o curso de educação física. Ele tinha parado por não ter condições de pagar a mensalidade.

- Acredito que faltou alguém para gerenciar minha carreira, para ser meu empresário. Sondagens aconteceram, do Remo, Santo André, mas não tinha ninguém para negociar e isso hoje pesa muito, a gente sabe disso.

Gessé, atacante do Atlético-AC e frentista, vive dia de fama após golaço do meio-campo (Foto: João Paulo Maia)Gessé, atacante do Atlético-AC e frentista, vive dias de fama após golaço do meio-campo (Foto: João Paulo Maia)

Todos os salários do contrato de cinco meses (cada um equivalente a R$ 1,5 mil) do jogador com o Atlético-AC foram pagos de forma antecipada, a pedido de Gessé, que precisava do dinheiro. Além da renda do futebol, ele tem o salário de R$ 1 mil como frentista e também conta com a ajuda da esposa, que é auxiliar de dentista. Dentro das quatro linhas, o centroavante marcou só três gols neste ano com a camisa do Atlético (em toda a carreira, são 38 gols, contando com o marcado no último fim de semana pelo Tanabi-SP, time de Cabañas). O mais importante deles pode mudar a vida do jogador.

Gessé terno (Foto: Reprodução / TV Globo)Gessé já até vestiu o smoking (Foto: Reprodução / TV Globo)

- Nunca passou pela minha cabeça fazer um gol daquele. Já tive a oportunidade de fazer um gol de bicicleta num jogo do estadual, mas desse tamanho e com essa repercussão nem nos meus melhores sonhos imaginei. Estou confiante em concorrer ao Prêmio Puskas. Estou me preparando, porque sei que estarei lá e quero saber me expressar, representar bem o Acre. Estou preparado para tudo. Não importa se ganhar R$ 1 milhão ou nada, vou continuar o mesmo.

O sonho de ir à Suíça já começou. Com uma campanha que ganhou as redes sociais, Gessé está confiante na escolha da Fifa. A confiança é tanta que ele já experimentou o smoking, começou até um curso de inglês e está nos preparativos para tirar o passaporte. Do Acre para o mundo. Como Chico Mendes, Armando Nogueira, Marina Silva. E agora apareceu um tal de Gessé. O nome que orgulha os acreanos e dá esperança para o futebol local ganhar um pedaço do país quer apenas ajudar. Ajudar pessoas, assim como ele.

- Quero deixar o meu legado, ajudar algumas pessoas carentes e abrir escolinhas. Quero criar uma fundação que ampare os ex-presidiários. A pessoa paga sua dívida com a justiça, mas não tem a oportunidade de se inserir realmente na sociedade.





Fonte: GloboEsporte.com

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