Manoel Ferreira Pereira, de 75 anos, sorri. Ainda estranha o banho quente, que toma na casa da filha, mas, depois de voltar para o convívio da família, entende que o melhor foi deixar a propriedade de Paulo Girão para trás. Por 30 anos, naquelas terras, trabalhou em condição análoga à de escravo, segundo o Ministério Público Federal. Hoje, livre, respira aliviado. Preso em flagrante no dia 26 de abril, Paulo Cesar Girão nega as acusações.
— Eu chorei quando o Davi (um dos filhos de Manoel que também teve a mão de obra explorada por Girão e foi libertado pela polícia) tentou me buscar. Mas, agora, eu posso falar: tinha medo de ele (Girão, o fazendeiro) zangar comigo — desabafa o ex-canavieiro.
Manoel foi encontrado pela Secretaria estadual de Direitos Humanos ainda no beco de onde outros três homens foram libertados por agentes da 141ª DP (São Fidélis), no dia 26 de abril. Durante a conversa, lembrou-se de sua filha, que viu pela última vez quando ela ainda tinha 5 anos.
— Eu tinha 1 ano quando ele foi embora. Não fui registrada. Não sabia o que estava acontecendo — lembrou X., de 30 anos, que não quis se identificar por medo.
Ao ir para a casa da filha, no sábado, Manoel descobriu a liberdade.
— Agora, fico o dia inteiro de prosa. Tem um menino que fica aqui comigo. A gente conversa. Tem outro mais ali embaixo. Eu gosto de conversar — conta, lembrando a época em que não recebia visitas, proibidas por Girão.
Ex-canavieiro, Manoel aprende a desempenhar um papel novo: o de avô.
— Eu sabia que ela (a filha) tinha uma criança. Mas só fui conhecer agora. Meu primeiro neto. E ele tá grudado comigo, me compra biscoito, pede benção.
Y., de 3 anos, toma conta do avô, que quase não enxerga mais. O quarto, antes montado para o pequeno, hoje é de Manoel que, pela primeira vez, tem rádio, televisão e chuveiro elétrico. Cômodo bem diferente do antigo, vizinho a um chiqueiro.
— As coisas estão melhores. Lá, eu também não fazia questão. Mas, agora, melhorou. Ela me dá leite, pão. Sempre tem café. Vivem querendo fazer eu comer — conta ele, que, durante as horas em que a filha trabalha, está sendo acompanhado por um cuidador contratado pela família.
Manoel virou o centro da casa, na localidade de Portela, em Itaocara. Conta suas histórias de canavieiro e sonha com o futuro: quer voltar a enxergar. A filha marcou consulta com oftalmologista.
— Lembro a última vez que fui à praia, em Campos. Queria ver aquelepôr do sol de novo. Mas também queria ver um jogo do Fluminense — diz, rindo e brincando com o neto, vascaíno.
PEC aprovada no Senado
O Senado aprovou, nesta terça-feira, a proposta de emenda à Constituição (PEC) do Trabalho Escravo, que permite a expropriação de terras onde haja exploração de trabalho escravo. O texto, que já passou pela Câmara, foi aprovado em dois turnos pelos senadores e, agora, vai à promulgação pelo Congresso, marcada para o próximo dia 5.
A proposta altera a Constituição ao determinar que propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde houver exploração de trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular. Os proprietários dessas terras não receberão indenização e estarão sujeitos às sanções já previstas pelo Código Penal.