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Terça - 10 de Junho de 2014 às 17:52
Por: Adamastor Martins de Oliveira

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Reprodução/Facebook
Página no Facebook agencia modelos para trabalhos em festas após eventos internacionais
Página no Facebook agencia modelos para trabalhos em festas após eventos internacionais

Além das esquinas, restaurantes e hotéis em bairros das cidades-sede onde já se sabe que, com ou sem Copa do Mundo, há oferta e demanda de prostituição, a Polícia Federal e as autoridades brasileiras que defendem os direitos das crianças e adolescentes também precisam lidar com outro espaço de articulação das redes de aliciadores: a internet. Dados da ONG Safernet Brasil mostram que 10.463 páginas foram denunciadas por supostamente conter pornografia infantil.

Outras 373 páginas foram denunciadas por suspeita de divulgarem informações sobretráfico de pessoas entre janeiro e maio desde ano. No caso das páginas de tráfico de pessoas, houve aumento de 8,1% em relação ao mesmo período em 2013. As páginas de pornografia infantil denunciadas no mesmo período tiveram queda de 6,75%.

As denúncias são recebidas pela Safernet e encaminhadas à Polícia Federal. Em 2013, segundo a ONG, 4.224 páginas denunciadas foram efetivamente removidas por conterem indícios de crime e/ou violação aos termos de uso do serviço. O número representa 7,8% das 54.221 páginas denunciadas no ano passado. Apenas 16 das 4.224 páginas removidas, porém, estavam hospedadas no Brasil. A maioria estava em servidores dos Estados Unidos e Irlanda (onde ficam os centros de dados do Facebook, por exemplo).

Páginas denunciadas por suposto material de pornografia infantil em 2014: 10.463

Total de páginas denunciadas por crimes virtuais em 2013: 54.221

Páginas removidas em 2013: 4.224

"De fato o Brasil não é um país hospedeiro de pornografia infantil. Isso não significa dizer que boa parte dos crimes não sejam praticados aqui. Acontece que 99% das páginas com pornografia infantil criadas por brasileiros são hospedadas no exterior", afirmou ao G1 Thiago Tavares, presidente da Safernet.

A investigação das denúncias também levou a um aumento no número de prisões de suspeitos de produzir, publicar ou armazenar material audiovisual de conteúdo sexual envolvendo menores de idade. Em 2013, a Safernet e a PF informaram que o número de pessoas presas por pornografia infantil na web aumentou 127%.

Estrangeiros barrados no Brasil
No mesmo período, a Polícia Federal afirma ter barrado a entrada de 2.617 estrangeiros no Brasil. Entre janeiro e dezembro de 2013, 6.791 pessoas de outras nacionalidades pediram para entrar no país, mas tiveram o pedido rejeitado. Segundo a assessoria de imprensa da PF, atualmente o órgão não registra os detalhes que motivaram a rejeição.

No último sábado (7), um turista dos Estados Unidos chegou em um voo ao aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, mas foi impedido de permanecer em solo brasileiro.

Segundo a PF, o homem foi processado no seu país por molestar um menor de 16 anos. Ele retornou aos Estados Unidos no mesmo dia.

Desde 23 de maio, uma portaria do governo federal aumentou o poder de veto da PF no caso de pessoas pessoas que tenham sido condenadas por pedofilia ou com envolvimento comprovado em crimes de pornografia infantil e exploração sexual. De acordo com a assessoria, a partir deste mês será possível manter um banco de dados mais detalhados sobre os motivos que levaram à deportação de estrangeiros.

Eventos da Copa atraem agenciadores
Segundo Tavares, a Copa do Mundo virou tema das páginas que oferecem fotos e serviços de modelos há pelo menos dois anos. Além de sites próprios, muitos agenciadores usam o Facebook para anunciar vagas e recrutar garotas. Mesmo os grandes eventos que duram menos dias e atraem um público menos numeroso são motivo de movimentação nas redes sociais em busca de mulheres dispostas a, além de cumprir o papel de modelo ou hostess, terminar a noite em um programa com homens, especialmente estrangeiros.

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Em dezembro do ano passado, quando a Fifa realizou, na Costa do Sauípe, na Bahia, o sorteio dos grupos da Copa do Mundo, post na página de uma agência anunciou, na mesma época, 20 vagas para meninas durante três dias na Costa do Sauípe para o evento, com oportunidade de receber pagamento em dólares e dando preferência às garotas que falavam inglês. Corridas de automobilismo e até partidas do Campeonato Brasileiro estimulam esse tipo de trabalho. Os perfis buscados variam e às vezes se exige até inglês fluente. Mas a idade nunca é restrita pelos anunciantes.

"É uma forma de prostituição com garotas de programa que não se expõem em site, em boate, são mais discretas. E dentro desses grupos tem adolescentes de 16, 17 anos", afirmou ele. De acordo com Thiago, esse tipo de acompanhante é contratada diretamente com os responsáveis das delegações e grupos de visitantes, e são levadas até os eventos em veículos fretados para este fim.

Além de anunciar as vagas, os agenciadores também tomam uma postura proativa, segundo Tavares, e vasculham o Facebook em busca de perfis de garotas, independente da idade, que se descrevem como modelos.

Há ainda canais no YouTube com conteúdo público cuidadosamente selecionado. Por lei, uma imagem ou vídeo só configura pornografia infantil se houver exposição de genitália da criança ou adolescente. “Em termos jurídicos não é pornografia infantil. Nos vídeos públicos não tinha exposição da genitália. Mas dificilmente esses sites vão colocar na vitrine as imagens completas, eles colocam uma isca”, afirma o presidente da Safernet.

Em 2012, página foi retirada do ar por mostrar vídeos de meninas de biquíni em poses sensuais (Foto: Reprodução/YouTube)Em 2012, página foi retirada do ar por mostrar
vídeos de meninas de biquíni em poses sensuais
(Foto: Reprodução/YouTube)

Caso de 2012 continua sem julgamento
Um dos casos mais emblemáticos, segundo ele, foi denunciado em março de 2012 em reportagem do G1. Uma agência de modelosera suspeita de infringir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao expor, no Facebook e no YouTube, fotos e vídeos de meninas adolescentes de biquíni para promover a Copa do Mundo em Mato Grosso. As garotas apareciam nas imagens em posições sensuais e vestindo camisetas promocionais alusivas ao torneio de futebol. Na época, o responsável pelas páginas, Reinaldo Luís Akerley Cavalcante, de 40 anos, disse ao G1 que houve um "erro na produção" das fotos.

Após a divulgação da notícia, as páginas foram retiradas do ar. Mesmo apresentando autorização por escrito dos pais das jovens, um inquérito foi aberto para apurar se houve violação dos direitos das adolescentes, já que o Ministério Público entendeu que as imagens configuravam exploração sexual das meninas.

Segundo a assessoria de imprensa da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso, o inquérito foi concluído em dezembro de 2012 e Reinaldo foi indiciado pelo crime de submeter criança ou adolescente a exploração sexual infanto-juvenil. O caso está sendo julgado na 3ª Vara Criminal de Várzea Grande, em Mato Grosso e, segundo a Corregedoria Geral de Justiça do estado, ele corre em segredo de justiça e ainda está em fase inicial de julgamento, mas uma audiência de instrução e julgamento já foi marcada.

O G1 voltou a falar com Reinaldo, que diz que, enquanto aguarda o fim do julgamento, tenta seguir na profissão de promoter. Mas precisou parar de realizar eventos comunitários em datas festivas nas escolas de Várzea Grande, que incluíam a distribuição de guloseimas e a realização de concursos de beleza e desfilem que davam às garotas consideradas mais bonitas títulos como Rainha do Chocolate e Miss Panetone.

Segundo Reinaldo, a denúncia do projeto que expôs adolescentes de biquíni na internet aconteceu porque foi uma divulgação mundial. De seus outros projetos, voltados à comunidade de Várzea Grande, ele diz que não houve denúncia.

"Todas as garotas, todas as participantes que divulgavam as camisetas [do projeto Garota Copa Pantanal 2014] tinham autorização por escrito em cartório, dos responsáveis. Tá entendendo? Isso [a denúncia de exploração sexual infantil] é a versão das pessoas que avaliam de outra forma", afirmou ele.

PF tem projetos para expandir estrutura
As denúncias feitas à Safernet são encaminhadas à Polícia Federal, que tem a incumbência delidar com os crimes virtuais. Por causa do aumento de demandas de crimes contra os direitos humanos e antecipando os grandes eventos que o Brasil hospedaria, em 2011 a PF encaminhou, ao Ministério da Justiça, três projetos de expansão da estrutura do órgão para lidar com esse tipo de crime.

Segundo documento apresentado pela PF ao Senado Federal em maio de 2011, os projetos incluíam a criação das Delegacias de Direitos Humanos, a criação de uma estrutura para investigar o "tráfico de pessoas em face da exploração sexual do turismo em circunstâncias de grandes eventos" e a criação de um Sistema Nacional de Direitos Humanos, um "sistema de denúncias online que aperfeiçoe e otimize o processamento de notícias de crimes contra a vida (grupos de extermínio), tráfico de pessoas, exploração sexual infanto-juvenil, crimes de ódio, trabalho forçado, dentre outros crimes de grave violação a direitos humanos".

Quando você faz uma operação como essa em 14 estados, de certa forma você está sinalizando que a polícia está de olho, que está tendo investigação e há o risco de que quem cometer esse crime seja preso"

Thiago Tavares,
presidente da Safernet

Esses três projetos foram encaminhados para o Ministério da Justiça para inclusão no Plano Plurianual de 2012 a 2015, mas ainda não saíram do papel. Segundo dados citados pela PF, 80% das vítimas de tráfico internacional de pessoas são também exploradas sexualmente, e metade delas seriam menores de idade.

O G1 procurou a Polícia Federal para saber detalhes sobre a atuação da PF no combate aos crimes de exploração sexual de menores de idade. Segundo a assessoria de imprensa, a competência de investigação de crimes sexuais contra crianças é das polícias civis. Sobre os crimes de exploração sexual infantil cometidos por meio da internet, incluindo o tráfico internacional de pessoas, a assessoria de imprensa não forneceu números recentes.

Na última sexta-feira (6), a Polícia Federal no Rio Grande do Sul realizou um treinamentos integrado com seus policiais sobre o tema. O último deles foi realizado na sexta-feira (6), em Porto Alegre, e abordou os temas da pornografia infantil, pedofilia e exploração sexual.

Thiago Tavares, da Safernet, afirma que a estrutura dos policiais federais é limitada para atender à demanda das denúncias de crimes virtuais. "A Polícia Federal é uma força policial que tem efetivo de 14 mil homens, isso equivale a um terço do efetivo da polícia de São Paulo", diz ele. Em 21 de maio, uma operação feita em 14 estados para apurar denúncias de pornografia infantil resultou na prisão de oito agressores sexuais.

"O número de presos foi pouco, mas tem um caráter de prevenção geral. Quando você faz uma operação como essa em 14 estados, de certa forma você está sinalizando que a polícia está de olho, que está tendo investigação e há o risco de que quem cometer esse crime seja preso."

O presidente da Safernet, porém, diz que o problema ainda "não foi encarado de frente" e que o Brasil está perdendo o jogo contra as redes internacionais de agressores sexuais infantis. "São os problemas estruturais do país que não foram resolvidos em vários planos, o da mobilidade urbana, o da infraestrutura… E esse é mais um tema em que o país não fez o seu dever de casa."





Fonte: Do G1

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